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Entrevista com a gerente de tendências Karla Agis

Especialista de tendências explica como faz o mapeamento dentro da plataforma

Na entrevista deste mês, falamos com Karla Agis, a gerente de Tendências e Cultura do YouTube para a América Latina. Antes de trabalhar conosco, Karla passou quase 10 anos analisando e criando conteúdo viral para marcas como Buzzfeed e Condé Nast. 


Você cuida de toda a América Latina, mas cresceu e vive atualmente no México. Como o YouTube se encaixa no cenário midiático desse país e das outras regiões da América Latina?

Karla: Quando falamos sobre o cenário midiático do México e das regiões que falam espanhol na América Latina, estamos falando sobre 18 países e um idioma. Então há muitas semelhanças entre as culturas, o que explica alguns padrões. Por exemplo, o YouTube não só é uma das plataformas favoritas para assistir vídeos na América Latina, mas os criadores de conteúdo também compartilham espectadores de regiões diferentes. Apenas no México, temos mais de 600 canais do YouTube com mais de um milhão de inscritos, e vários criadores de conteúdo, como Luisito Comunica, Los Polinesios e Kimberly Loaiza (canais em espanhol), têm muitos espectadores em diversos países da América Latina.


Existem muitas categorias de vídeos que são populares em várias regiões, mas também há locais que têm uma cena própria e exclusiva de algum tipo de conteúdo. Por exemplo, na Argentina há uma comunidade que é a vanguarda do trap, um estilo de música famoso que geralmente é chamado de subgênero do hip-hop. O trap foi originalmente criado no sul dos Estados Unidos, mas hoje é liderado por artistas como Paulo Londra e Nicki Nicole, que estão evoluindo o gênero.


Qual foi o papel da música na forma como os criadores de conteúdo discutem a COVID-19?


Historicamente, a música tem sido um meio artístico de esperança que nos permite falar sobre assuntos difíceis, como a COVID-19. Mas apenas na América Latina você verá grandes artistas cantando sobre a doença de formas variadas. Essa combinação de esperança e criatividade vem do nosso forte senso de comunidade e das personalidades calorosas comuns na América Latina.


Muitos artistas têm dado voz aos nossos sentimentos: frustração, incerteza e solidão. Alguns deles, como Jc La Nevula, criaram músicas sobre as partes mais difíceis da pandemia. Já outros artistas trouxeram comédia ao tema, como Los Tres Tristes Tigres, que fizeram a música La Cuarentena, uma paródia de La Macarena que fala sobre como é ser pai e ficar com as crianças em casa.



As pessoas estão passando mais tempo em casa, por isso observamos ao redor do mundo um aumento na popularidade de vídeos sobre exercícios físicos e culinária. Mas como você explicaria o sucesso inesperado da vovó estrela da culinária Doña Angela (canal em espanhol) e do instrutor de academia ucraniano Vadym Cavalera?


Essas tendências internacionais também têm sido muito fortes na América Latina. Em relação a conteúdo sobre exercícios físicos, houve um aumento de 200% nas visualizações logo nos primeiros dias da quarentena. Mas se você começar a procurar mais conteúdo desse tipo, encontrará surpresas, como o instrutor de academia ucraniano Vadym Cavalera do canal Buff Academy (em espanhol). Ele se mudou para a Colômbia há alguns anos e aprendeu espanhol. Parte do sucesso de Vadym tem a ver com o fato dele ser um dos primeiros criadores a adaptar os exercícios à realidade de ficar em casa. Por exemplo, ele mostrou como fazer treinos usando objetos comuns que as pessoas provavelmente têm em casa.  

Sobre a Doña Angela (canal em espanhol), a história dela é uma das mais interessantes do ano passado. Doña Angela é de uma área rural do México e, em menos de um mês, ela começou um canal que foi de alguns inscritos a milhões de pessoas que acompanham os vídeos dela. Doña Angela encantou todo mundo com uma personalidade amorosa e pratos que envolvem uma variedade de receitas tradicionais, o que impulsionou o crescimento rápido do canal. Isso é algo que agrada imediatamente mexicanos e pessoas da América Latina. Neste ano, o trabalho dela para preservar a culinária tradicional do México foi reconhecido pela Forbes (link em espanhol), que nomeou Doña Angela como uma das mulheres mais influentes do país.


Fale um pouco sobre as comunidades em crescimento de criadores indígenas na América Latina. Quais fatos sobre eles surpreenderiam as pessoas?


A maioria provavelmente não sabe que há cerca de 50 milhões de indígenas que fazem parte de 500 grupos étnicos com mais de 550 idiomas (links em inglês). Um dos maiores enganos é pensar que os indígenas, no geral, representam o passado e não conhecem o mundo moderno e a sociedade em que vivemos.Além disso, os indígenas continuam a desenvolver a cultura e as tradições que têm háséculos. Esse é um dos assuntos mais discutidos pelos criadores de conteúdo indígenas. 

Às vezes essas comunidades não têm um acesso amplo à tecnologia, mas isso não significa que elas estão desconectadas do mundo. A maioria dos indígenas têm um smartphone. Eles realmente sabem o que está acontecendo na atualidade. Por meio da tecnologia, esses criadores conseguem criar a própria narrativa e contar histórias pessoais. 


Quais são algumas das vozes mais conhecidas nessas comunidades indígenas?

Esses criadores incluem pessoas como Cholita Julia (canal em espanhol) da cidade de Puno no sul do Peru. Ela criou um canal neste ano e já tem mais de cem mil inscritos. Cholita usa a plataforma para compartilhar receitas tradicionais e falar sobre a comunidade e a herança cultura dela. Outro criador é Soy Nativo (canal em espanhol), que faz entrevistas com indígenas para falar sobre as tradições deles. Ele também acredita nos aspectos mágicos das culturas antigas e nos contatos imediatos (vídeo em espanhol) de terceiro grau.

Uma das criadoras de conteúdo indígenas mais famosas e conhecidas é Nancy Risol (canal em espanhol) do Equador. Ela, na verdade, está fazendo algo completamente diferente, porque em vez de discutir a própria cultura, Nancy faz comédia. No ano passado, o conteúdo dela viralizou e foi de cem a um milhão de visualizações em dois meses. Agora ela tem mais de dois milhões de inscritos Nancy não faz o que as pessoas esperam, porque ela não fala sobre a própria cultura, história ou tradições. O conteúdo de Nancy aborda o cotidiano na comunidade dela, como este vídeo que mostra a cobertura da criadora. 




Outra tendência interessante que está crescendo é a de criadores de conteúdo expatriados que falam sobre a nova vida deles no México. Por que esse tipo de conteúdo está ficando famoso?


Para explicar a popularidade dessa tendência, temos que falar sobre como nós mexicanos temos orgulho do nosso idioma, cultura e especialmente da nossa culinária e costumes. Quando esses criadores expatriados, que geralmente vêm da Alemanha, da França, do Japão ou da Coreia do Sul, falam sobre as próprias experiências em vídeos, esse tipo de conteúdo chama nossa atenção porque amamos ver as reações deles. Esses criadores não só nos lembram da primeira vez que experimentamos coisas como pratos ou tradições do nosso país, mas também mostram uma visão sobre nossa cultura a partir de uma perspectiva diferente. Essa categoria também consegue muito sucesso porque o conteúdo tem bastante comédia.


Juntos, esses criadores expatriados totalizam mais de 10 milhões de inscritos. Um dos maiores nomes nessa categoria é Coreano Vlogs (canal em espanhol), que se mudou da Coreia do Sul para o México. Ele conseguiu muita visibilidade ao mostrar o choqueculturalem uma série de vídeos sobre a visita dos pais ao México. Parte dessa série mostra os pais provando doces mexicanos apimentados (vídeo em espanhol).


O que esses criadores expatriados "peixes fora d'água" podem nos ensinar sobre como se adaptar e aproveitar ao máximo circunstâncias novas e desafiadoras?


Para se adaptar a um ambiente novo, esses criadores de conteúdo estão sempre aprendendo novas habilidades. Eles nos lembram que também precisamos fazer isso nesta situação sem precedentes. Esses criadores também estão desenvolvendo conexões com a comunidade e a cultura local ao redor deles. Isso é algo que também podemos fazer. Embora não possamos ver as pessoas como faríamos normalmente, ainda há oportunidades seguras para interagirmos uns com os outros. A tecnologia nos permite manter ou criar conexões e preservar um senso de comunidade.


Esses criadores também mostram como lidar com situações novas, porque eles pegam elementos da cultura anterior deles e os adaptam a uma nova vida. Por um lado, precisamos aprender a lidar com situações novas, o que já temos feito durante a pandemia. Por outro, também é importante manter coisas do passado que servem como um apoio emocional. Nesses casos, o humor sempre ajuda. Valorizamos muito uma boa piada na América Latina.